A alegria e a beleza do anúncio em “Mala de couro”

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Faculdade Católica do Maranhão

18/08/2023, 14:20

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Por Luis Oliveira Freitas

(Professor do IESMA e doutorando em Teologia, PUC-Rio)

Na minha reflexão sobre evangelização, catequese e literatura, deparei-me com a obra Mala de couro, diário de uma desobriga, de frei Adolfo Temme, da Ordem dos Frades Menores, Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção. O frade, com quem tive breve convivência na minha juventude, era de origem alemã, veio ao Brasil na década de 1960, exerceu seu ministério nos estados do Maranhão e Piauí e faleceu no dia 02 de maio de 2023. Tinha uma grande sensibilidade artística que se manifestava na música, na contação de histórias, na carpintaria confeccionando quadro de santos e nos relatos dos fatos da vida cotidiana.

O livro Mala de couro é fruto desses relatos dos fatos vivenciados concretamente pelo frade. Nele frei Adolfo conta de maneira quase informal, mas estética como foi uma jornada de vinte dias de uma desobriga que fez juntamente com um confrade seu e um seminarista, nas comunidades rurais da Paróquia São José, Lago da Pedra, Diocese de Bacabal, Maranhão, entre os dias 03 e 23 de janeiro de 1978.

O franciscano conta que o percurso que eles faziam entre um povoado e outro era em lombo de animal, visto que as estradas não eram apropriadas para automóveis e, além disso, já era período chuvoso na região. O título ‘mala de couro’ é inspirado no fato de eles carregarem seus pertences em duas malas de couro, conduzidas em animal de carga. O que chama a atenção na obra é o detalhamento dos fatos corriqueiros que poderiam ter passado despercebido caso não tivessem sido observados com tanta sensibilidade artística.

As atividades realizadas em cada comunidade eram praticamente as mesmas: o sermão e confissão na noite em que chegavam na localidade e, no dia seguinte, a celebração da missa pela manhã seguido de batizados, casamentos e uma reunião com os membros da coordenação da comunidade. À tarde, os missionários se dirigiam a outra comunidade, onde tudo voltava a acontecer.

Um olhar atento nos faz perceber a grandeza e a beleza de um testemunho do anúncio evangelizador. Andar em lombo de animal por caminhos íngremes cheios de ladeiras, na chuva, atravessando rio em canoas rústicas simplesmente para levar o Evangelho a pobres lavradores no meio da mata, muitos deles vindos do semiárido nordestino fugindo da seca, é uma missão semelhante à de Paulo, Barnabé e outros discípulos dos Atos dos Apóstolos.

O frade dá destaque especial para as atividades religiosas que eram realizadas como as celebrações e as reuniões com a comunidade, jovens e crianças, mas não se esquece de citar os nomes das pessoas que os acolhiam, que os acompanhavam nas viagens, que animavam as comunidades, tratando inclusive das dificuldades que enfrentavam nessa missão. Registra também a preocupação que eles sentiam diante da sobrevivência daquele povo que vivia da terra, mas não tinha documentos de posse, tornando-se vulneráveis à grilagem da terra por fazendeiros ricos, sendo que muitos já haviam sido expulsos de seus povoados.

Há o cuidado especial em fazer o povo entender a mensagem proclamada. Apesar de frei Adolfo ser proveniente de outra cultura e idioma, ser letrado, membro do clero, ele quer que seus interlocutores compreendam bem a beleza do anúncio transmitido nas pregações, nas reuniões com as comunidades e nas conversas informais com as pessoas. É uma tentativa de evangelização e catequese inculturada, apesar de naquele momento a inculturação ainda não estivesse no debate teológico e pastoral.

O anúncio do Evangelho naquelas comunidades rurais se dá numa profunda interação entre Palavra e vida concreta das pessoas, com seus desafios e perspectivas. Apesar de ser uma missão cansativa, com imensas dificuldades, ela propicia grande alegria ao frade, por ser o porta-voz da beleza da Boa Notícia de Jesus. Mais de três décadas após esses escritos do missionário franciscano, Papa Francisco nos diz que “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira, daqueles que se encontram com Jesus”.